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CAPITULO 41
No exterior, Dan Tolos e a sua comitiva
iniciavam a escalada da rua principal em direcção ao castelo de Semy. Na garupa
de cada cavalo dos 6 homens que o seguiam de perto, vinham grandes e pequenos
objectos. Arcas, sacos, caixas de madeira e outros objectos passaram pelos
muitos olhos do povo que observou com medo aquela súbita visita.
Assim que chegou ao pátio Dan Tolos
desmontou. Com ligeireza, aproximou-se da entrada da torre de menagem.
Preparado para um golpe traiçoeiro por parte do vizinho, Dave semicerrou os
olhos. Surpreendendo todos, Dan fez uma vénia e disse:
- Primeiro... os
meus sinceros parabéns pelo enlace, perdão... pelos enlaces... - e observou
melhor quem o olhava com desconfiança. - Peço humildemente desculpas por não
ter assistido a tão falado dia, mas não me encontrava em condições de
empreender uma viagem até Semy...
- Não devo estar a
ouvir bem... - comentou Leo.
Dave lançou-lhe um olhar e Leo percebeu que
era melhor nada dizer. Dave pretendia compreender o que aquele homem tinha ido
ali fazer.
- ... Por esse
motivo, venho aqui hoje trazer-vos as minhas humildes ofertas. São
pequeníssimas ofertas perante o perdão grandioso que vos peço em consequência
dos actos desumanos que fizeram parte da minha vida. Dave, gostaria de afirmar
perante todos os presentes que tudo o que se passou entre nós pertence
definitivamente ao passado. Jamais o irei lembrar ou repetir. Errei terrivelmente.
Aprendi a lição. O importante é o presente e o futuro. Vamos esconder as armas
e ser amigos. É o meu maior desejo neste momento da minha vida. O que me
aconteceu fez-me perceber o caminho errado que seguia. Renasci e agora quero
ser uma outra pessoa. Sei que não acreditam mas saberão, com o tempo, que falo
a verdade.
Dave olhava-o desconfiado. Jamais iria
confiar naquele homem.
- Por certo que
estarão a pensar: "Que mentiras inventou desta vez?". Asseguro-vos
que nenhuma. Nenhuma, Dave. Nunca fui tão sincero. Sofri muito e percebi que
não poderia continuar a ser quem eu era. Peço que me dêem uma oportunidade de
provar que estou diferente.
Leo olhou para o irmão e disse:
- Entra. Vem
connosco. Estou ciente de que precisamos conversar a sério. Lá dentro
conversaremos melhor.
O silêncio de Dave deixou Dan sem uma
resposta.
Dave ordenou a Lann que tratasse de recolher
as ofertas e de as trazer para a sala.
Clive, Leo e Dave acompanharam o visitante ao
longo do caminho sem proferirem uma única palavra. Observavam-no atentamente.
Procuravam um gesto, um olhar que comprometesse a sua nova personalidade. Nada.
Até parecia que era tudo verdadeiro. Abriram a porta e entraram na sala
principal.
Kate e Muriel mantiveram-se sentadas junto da
mesa. Mais afastada, quase escondida a um canto, Jamie olhava para o exterior.
Não queria olhar de novo para aquele homem. As recordações estavam muito vivas
na sua cabeça. Queria-o longe. Muito longe. E no entanto ele estava ali. Aquele
homem parecia controla-la no estranho misto de medo e mistério. Os seus olhos
deixavam-na, de algum modo, invulgarmente frágil. Nem ela própria era capaz de
explicar.
Como se conhecesse com antecedência o lugar
onde se encontrava, Dan Tolos observou-a enquanto caminhava para a mesa. Jamie
não largou os olhos do horizonte e cruzou ainda mais os braços.
- Senta-te.
- Clive, primeiro,
devo cumprimentar as damas presentes.
Aproximou-se de Kate e pedindo a sua mão,
beijou-a amavelmente. Kate abriu os olhos de espanto e viu o mesmo gesto no
rosto da amiga assim que Dan repetiu a delicadeza. Muriel olhou para Leo e este
nada indicou. Receoso, Dave observou-o a caminhar em direcção a Jamie. Avançou
uns passos e parou. Talvez não houvesse motivo para alerta. Jamie não lhe
estendeu a mão. Ignorou-o. Mesmo perante a insistência de Dan Tolos, Jamie não
cedeu. Olhou-o de lado e voltou a concentrar-se na janela. Dan levantou o
sobrolho e disse:
- Aceito uma
cadeira. - afirmou voltando-se rapidamente. Sentou-se e prosseguiu: - De certo
que estão todos ansiosos por saber o que se passou comigo quando deixaram
Nastro. Não vale a pena recordar um passado que quero esquecer. Já esqueci.
Morreu. Nunca mais voltará. O caminho que percorro e o que percorrerei é o
único pormenor que me interessa. As inimizades que prevaleceram entre nós
antigamente, não se manterão de agora em diante. É essa a minha vontade. E
farei tudo para vos provar que estão perante uma nova pessoa. Venho aqui pedir
que aceitem a minha amizade. Sei que não será fácil esquecerem o que eu fiz,
mas peço-vos que me dêem tempo... uma oportunidade para provar que estou a
fazer o pedido mais sincero e puro da minha vida. Mudei. Preciso de vocês.
- Não estarás a
pedir demais? - interrompeu Leo.
- Possivelmente...
Creio que sim. Têm todo o direito de duvidar de mim...
Dave não parava de o observar sem nada dizer.
Sentia os receios de Jamie e sentia um ódio que não conseguia controlar. Como
poderia aquele homem ser seu irmão?
- Reconheci a tempo
que estava a lutar para obter algo que nunca seria meu. Lutar para conseguir o
amor de Jamie, tornou-se para mim, presentemente, uma luta sem qualquer
significado. O amor que ela sente por ti, caro Dave, eu nunca o teria. Ele é
único. Só posso louvar que o meu irmão tenha encontrado tal preciosidade. Peço
apenas que aceitem a minha amizade... apesar de tudo que vos fiz e... que peço
aqui perdão. Fui um louco e um demónio mas foi-me dada uma nova oportunidade de
rectificar o mal que vos fiz. Percebo pelas vossas caras que estão cheios de
dúvidas. Eu no vosso lugar estaria de igual modo. Peço-vos uma vez mais:
dêem-me tempo para provar a sinceridade do que aqui vos digo agora. Naquele dia
em... que fiquei no cimo da torre do meu castelo, a minha vida mudou. Inúmeros
factos, gestos, pensamentos, desejos deixaram de ter significado. Outros,
explicaram-se por si mesmos. O poder deixou de ter importância para mim. Nastro
é o meu mundo, é certo... e é nele que devo viver sem magoar ninguém. Semy não
é mais um alvo de poder mas sim um alvo de amizade e boa vizinhança.
Dan bebericou um pouco de vinho e no ar fixou
o silêncio.
Murial olhou para Kate e Jamie e disse:
- As tuas palavras
surpreendem-nos muito. - afirmou Muriel.
- Gostei de as
ouvir. - comentou Clive cada vez mais surpreendido.
- Arriscaste ao regressares
a Semy depois de tudo que fizeste. Poderias ser capturado ou...
- ... morto. Eu
sei, Leo. Mas eu agora sou um livro aberto e não tenho receio de nada. stou
aqui... Façam de mim o que entenderem.
- Chegas com
pedidos de perdão e esquecimento e esperas que tudo se resolva... Não sei se te
devo chamar ingénuo ou irónico.
- Humilde, talvez.
Sincero, acima de tudo!
- Talvez. - disse
Dave quebrando o seu silêncio. - No passado, que tanto fazes questão em
esquecer, foram inúmeras as traições que nos infligiste. Porque haveria eu de
confiar agora?
- Deves relembrar
apenas como recordação e não como realidade.
- Impossível!
- Acreditem que
sofri uma mudança radical!! Não sou a mesma pessoa que conheciam!! Farei tudo
para que acreditem em mim.
- Tudo? - interveio
Jamie ainda junto da janela.
Dan Tolos virou o rosto para ela e respondeu:
- Tudo.
- Não penses que
vamos esquecer assim tão facilmente o que nos fizeste. Se quiseres a nossa
amizade, tens de nos oferecer confiança em ti. - declarou Leo de braços cruzados.
- Prova que és franco no que dizes.
- Dêem-me uma prova
que eu provarei! Dêem-me tempo e verão que estou a dizer a verdade!!
- A tua confiança
vai ser muito difícil de impor entre nós. - afirmou Jamie a olhar para Dave.
- Tens a noção
disso, certo? - Acrescentou Dave.
- Farei desse
objectivo a minha luta de futuro, a minha ambição de corpo e alma. Só vos quero
bem. Acreditem. Percebo que é difícil de acreditarem...
- Estamos, então,
em presença do novo Dan Tolos...
- É verdade, Clive.
Por fora, permaneço o mesmo mas por dentro, tudo se esclareceu. Estou limpo.
Nesse instante ouviram-se toques na porta e
Lann entrou. Abriu ainda mais as portas para que os escravos que transportavam
as muitas ofertas de Dan Tolos pudessem passar. Olhando no sentido contrário de
todos, o formoso homem sorria vitorioso. Em pouco tempo, a sala ficou repleta
de vários objectos, uns de metal, outros de madeira e cerâmica. Dan levantou-se
e aproximou-se de um grupo de arcas.
- Isto representa a
minha oferta para celebrar a união dos Elmer com as suas actuais esposas de
encanto sublime. - Abriu as várias arcas e acrescentou: - Jóias e tecidos
ricamente bordados para as maravilhosas mulheres presentes. Venham. Observem
bem quanta beleza!
Kate e Muriel aproximaram-se e admiraram
tanto as jóias de múltiplas pedras coloridas como os tecidos coloridos que
pareciam moldar-se perfeitamente ao corpo como se tivessem sido feitos para
elas. Jamie caminhou até à mesa e sem olhar para nenhuma das ofertas,
sentou-se. Logo atrás do encosto da cadeira, Dave apertou-lhe a mão e
acariciou-lhe o ombro. Jamie respondeu com um encosto carinhoso do rosto.
- Armas e
manuscritos para os senhores de Semy. E muito mais! O melhor! Gozem tudo isto
num clima de plena felicidade.
- Não sei o que
dizer... É tudo tão... tão belo. - comentou Muriel. - Lindo! Nunca vi tal
beleza por aqui...
- São artes de
terras longínquas.
Jamie chegou junto
de Dave que observava um belo elmo quadrado e retirou-lhe o elmo das mãos. Não
queria que tocasse nada que fosse de Dan Tolos.
- Vou aproveitar
para te anunciar uma boa nova.
- Sou todo ouvidos,
Leo.
- A minha adorada
Muriel está à espera de bebé.
- Verdade? Óptimo!!
Isso merece um brinde! - exclamou Dan enchendo o seu copo com vinho. - Ao
herdeiro! Mas que excelente noticia!! Estou encantado !!
Todos ergueram os copos brindando ao primeiro
descendente dos Elmer.
Ninguém reparou que o dia estava prestes a
findar. A estrela que iluminava aquele lugar mantinha-se escondida por detrás
de nuvens escuras.
A folhagem das árvores começava a agitar-se
cada vez mais.
- Ainda bem que
gostaram das minhas ofertas. Tentei arranjar o que de mais perfeito há...
- O que interessa é
o gesto, não o valor material. - declarou Kate.
- Concordo.
De novo o silêncio caiu sobre a sala. Dan
Tolos encheu o seu copo e perguntou:
- Onde as irão
colocar?
- As ofertas?
- Sim.
- Não sei.
Possivelmente... algumas ficarão nos nossos quartos e outras numa sala do
castelo, na cave. É lá que guardamos as peças de maior... - respondeu Leo antes
de ser interrompido por Dave.
- Têm lugar para
ficar.
- Também possuo
uma, precisamente na cave. - Respirou fundo.
Um forte relâmpago iluminou toda a sala o que
assustou alguns dos seus ocupantes.
- Que susto! -
exclamou Kate. - Vem aí uma tempestade.
- E não é das
pequenas. - afirmou Muriel a observar o céu pela janela. - Está muito vento...
e começou a chover. Vai ser uma noite terrível.
- Que contratempo!
Como é que voltarei para Nastro? Os cavalos não conseguirão avançar nem um
passo...
- Poderás passar a
noite aqui. - sugeriu Leo. Olhou para Dave e este em nada o contrariou.
- Certamente que
amanhã a tempestade já terá passado e poderás regressar a Nastro. - acrescentou
Clive.
- Hoje não podes
viajar com este tempo.
- Não sei... Não
queria abusar... Acho que vou aceitar. Lá fora está mesmo mau... - respondeu
Dan junto de uma janela. Fechou-a e voltou para a mesa. - Que contratempo... E
os meus homens?
- Poderão ficar
junto dos meus homens. - Respondeu Dave.
- Muito bem... vou
avisá-los. - disse Clive saindo da sala.
Bem no fundo da sala, junto da sua janela
preferida, Jamie observou o raio a desenhar-se no céu escuro sem estrelas.
Parecia que lhe dizia algo. Imaginou que comunicava com Wise Sage e que ele
surgiria, a qualquer momento, no céu. Isso era impossível. Estava morto e nunca
mais falaria consigo. Precisava da sua ajuda. Não confiava na súbita mudança de
Dan. Não confiava em nada naquele homem. Sentia que em cada gesto, em cada
palavra, havia algo que não conseguia explicar. Mas como o provaria? Esperaria
com calma por um passo em falso. Onde quer que estivesse, o querido sábio
saberia a verdade. E o quanto ela desejava saber. Precisava saber a verdade.
A chuva batia forte contra o vidro
impossibilitando-a de visualizar o exterior. Despertou dos seus pensamentos com
a súbita luz intensa de um raio. Triste, voltou para junto de todos. Olhou para
Dan e reparou que também se encontrava pensativo e preocupado.
Teria realmente mudado?
Teria?
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